individuais
toque-me atrás da celulose. por baixo dos pingos de óleo. dentro das línguas. toque-me como quem destrói uma cidade, como quem está prestes a parir um tijolo. coma-me como quem está prestes a ser devorado. sua casa sendo invadida por um mar vermelho. meu-nosso mar vermelho, com pernas abertas pela metade.
a exposição aberturas_ cedo demais é um compartilhamento de boca cheia de uma artista que, ao reproduzir a sua mesma imagem de diversas técnicas, tamanhos, cores e texturas, começa a tornar-se outra. de tanto compartilhar a si mesma, alice dote, artista visual multilinguagem, reelabora-se de diversas formas.
vermelhas faces repetidas de si. cus vermelhos, como também olhos. olhos dos cus, que veem o mundo do exato modo como é: embabado de gozo e desejo. alice disputa uma cidade entre as vísceras e as curvas dos ovários. engole a cidade para não ser engolida, e se atraca em prédio com o interior das coxas.
alice nos dá boas vindas a partir de uma grande tela de seu corpo escorrido, feita em um lápis de cor banhado em gesso. se equilibra na parede, ao mesmo tempo que a empurra, nos empurrando à primeira de quatro aberturas que nos dá, séries costuradas por cavas.
a primeira série é uma transposição sanguínea: alice nos apresenta diversos de seus desenhos, gravuras e monotipias de seu rosto, alocados da mesma maneira que as hospeda na parede de sua casa. nos convida, mesmo sem saber, a experimentar de seu íntimo. uma abertura com sabor dote.
a segunda abertura, logo à direita, reúne uma série de suas gravuras em miniatura, apresentadas em moldura sanduíche transparente. alice, nessa série, nos convoca a olhar de perto, fungando o pescoço das telas, ao mesmo tempo que experimenta uma expografia ousada, misturando pintura em tinta na parede por trás das gravuras, compondo arte urbana e gravuras em papel.
com uma pincelada que invade a direita da série, nos convoca a continuar o percurso em um terceiro momento, que apresenta uma série de técnicas e misturas de texturas. o branco-creme e o vermelho dos papéis variados desponta em uma série de desenhos, que compõe autorretratos e imagens da série “eu não sei desenhar homens”, na qual alice experimenta corpos masculinos, com criações em lápis de cor, gravuras e seu rosto em acrílico sobre tecido. o terceiro momento dessa exposição reforça dois aspectos muito presentes na obra de alice: a experimentação vasta de uma mesma imagem, que se repete obsessivamente em variadas técnicas, cores, cortes e tamanhos; a mistura entre técnicas diferentes na formação de uma mesma obra, na qual friccionam-se tecidos, desenhos, gravuras, pinturas, etc. rasgadas e coladas, justapostas, remixadas, em uma orgia pictórica. no canto direito, uma obra em tela desponta da série, fissurando o xadrez de papeis vermelhos e cremes. um corpo pintado a óleo, com fundo preto, cria um prenúncio para o último momento de “cedo demais”.
para a despedida de suas “aberturas”, essa exposição experimentativa compartilha um novo ímpeto de alice, que toma espaço em sua criação especialmente a partir de 2022: as pinturas à óleo. é um prazer entrar na casa de alice para fazer essa curadoria e me deparar com diversos ambientes de variadas experimentações técnicas. em novembro de 2022, as pinturas a óleo abrigam um espaço primordial na sala de alice, bem como em seus dias. aborda, em uma brincadeira entre figurativo e abstração, temáticas já recorrentes de sua produção: o erótico, a liberdade corporal, os autorretratos, o íntimo, o repetitivo, os vermelhos. e, mais uma vez, encontra maneiras de nos penetrar de outro modo, convocando uma experimentação de seu cotidiano de maneira ainda mais explícita, desafiadora, depravada e cheia de tesão.
é uma exposição de mamilos duros, pinceladas rubras, vermelhos escorridos, que se despede com um objeto arte interessante: um rolo de desenhos e planejamentos, acoplado em uma tábua de madeira. tábua de cortar (a nossa) carne. uma experimentação refinada em arte contemporânea, simbolizando bem a trajetória criativa de alice, que também oferece um recado nítido: de onde abre essa nascente, há um delta inteiro. cedo demais para expor, ou para ir embora?
da maneira que abriu dote, queremos esgarçar nossos corpos.
texto e curadoria_ levi banida
curadoria levi banida
expografia levi banida e alice dote
produção alice dote
montagem jardel cenários
texto levi banida
local patú
agradecimentos levi banida, lucinaura diógenes, tadeu dote, rafael neves, priscila oliveira, osias vieira, daniel chastinet, gustavo diógenes, jardel,
amanda chrisóstomo, marina fontanari, diana souza, patú e equipe
coletivas
ficha técnica
tríptico _ íntimo-material
eu tinha acabado de acordar (2022)
técnica mista (giz industrial, lápis de cor, grafite, pastel oleoso, pastel seco, nugget líquido, colagem sobre papel madeira)
96 x 66 cm
eu não sei por onde ir: eu quero ficar (2023)
técnica mista (óleo sobre tecido de manga de camisa, giz industrial sobre espelho, carvão sobre papel, gravura em água-forte, matriz de cobre gravada em ponta-seca, óleo sobre matriz de isogravura, tinta de gravura sobre papel sobre tela, fotografia instantânea e lápis de cor sobre papel pergamenata)
96 x 66 cm
eu não quero falar (2023)
técnica mista (carvão e lápis de cor sobre papel madeira, isogravura sobre papel com colagem sobre papel madeira, óleo sobre tela afixada sobre papel madeira)
96 x 66 cm
Fotografia: Antônio José / Instituto Ecoa
O tríptico “íntimo-material”, composto pelas obras inéditas “eu tinha acabado de acordar”, “eu não sei por onde ir: eu quero ficar” e “eu não quero falar”, chama à reunião os tempos e gestos de uma poética em que a experimentação de si se serve de intensa experimentação material. Toda a obra mas também cada obra, que não se contém em ser-só, traça um mapa de pistas a um modo de fazer(-se): a inegável dimensão autobiográfica evidencia-se, assim, não só pelo autorretrato em múltipla-repetição, mas pelos modos de se implicar com a materialidade mais ordinária da obra, o que se coaduna com os envolvimentos práticos e afetivos cotidianos para a ativação do gesto artístico e concretização do seu objeto.
O doméstico (histórica e socialmente associado ao feminino) se impõe, continuamente tensionado pelo que se faz nele, dele ou com ele. O privado aqui se esboça no rosto em dor e no corpo em sexo, na bandeja de isopor do peixe da semana tornada matriz de gravura, nas listras da roupa do pai que segura mais um rosto a óleo, na fotografia instantânea que revela e assume um lar temporário feito ateliê, oferecendo uma pista do processo da obra ao lado. No espaço expositivo – propondo-se que as folhas de papel sejam afixadas com fitas adesivas –, as obras se acomodam às paredes como permaneceram abertas e dispostas a continuamente acomodar camadas de tempo nas paredes da casa.
Uma intimidade do tempo-espaço da criação, que é o próprio tempo-espaço da casa, se abre nesse tríptico indiciário, pondo à mostra um comprometimento ininterrupto com a imagem, que, a despeito do risco de se trabalhar nos traveses, pode se servir de tudo para existir em um cada vez maior repertório de gestos e visualidades, convocados por um pequeno, mas explorado à exaustão, repertório de temas.
Desenho, gravura, pintura, monotipia, fotografia. Papel, tinta, tela, carvão, espelho, tecido, isopor, cobre. O desenho, assumida minha linguagem primeira, reivindica sua autonomia ao, em apenas aparente contradição, trazer para perto outras técnicas e linguagens, incorporar seu vocabulário, ou, talvez, fazer delas também desenho. O óleo sobre tela é diminuto no papel; a matriz de gravura em isopor a ele se abandona depois de umas poucas provas caseiras; a matriz em cobre gravada a ponta-seca nunca foi impressa, chegando ao papel de outro modo; as linhas surgidas como imprevistos acontecimentos gráficos do gesto de limpar uma outra matriz de gravura se sobrepõem a uma tela que se sobrepõe novamente ao papel. O desenho é experimentado em sua potencialidade de expandir-se horizontalmente, enquanto o frágil (e pouco nobre) papel sustenta o gerúndio de uma trajetória deixando espaço para o porvir. Em “íntimo-material”, o que se desenha é também uma combinatória de aproximações implicadas em um cooperar com o próprio trabalho, um habitar (com) o próprio trabalho com a imagem.
Salão Sobral de Artes Visuais [2023]
Sobral / CE
Abertura: maio de 2023
Realização: Instituto ECOA
Curadoria: Armando Sobral, Ed Ferrera, Jacqueline Medeiros
Sindicato de Artista [2023]
São Paulo / SP
tem um sad eyes
[2023]
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óleo e carvão sobre tela
50 x 40 cm
I Exposição Pequenos Formatos Oposta [2023]
Oposta Espaço Inventivo
Limeira / SP
esses quadros ainda existem
[2023]
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óleo, carvão e acrílica sobre tela
20 x 20 cm
talvez porque chovia todo dia
[2023]
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óleo sobre tela
20 x 20 cm
esboçar mulheres, esboçar-me
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nanquim sobre papel
42 x 29,7 cm
exposição virtual coletiva Manas, Minas e Monas
[2021]
"As curvas são conduzidas pelo movimento da tinta negra que se apossa do impresso e ali, prova, sua habilidade em ser indissolúvel. Essas linhas escuras me convidam a acompanhar as multiplicidades do substantivo feminino. Em seu percurso, corre, sai esboçando o sortimento de traços que dão forma aos corpos que , com um feitio resiliente, se comprovam como uma substância soberana desdobrável. Na folha, esse risco segue derramando uma diversidade de sensibilidades sem governo. Enlambuza a textura com moléculas de criatividade em sentimentos pintados com nanquim." (Helena Barbosa)
Ficha Técnica:
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Organização e Realização
Bruta Flor, Lagartazul Produtora e Mercúrio Gestão e Produção
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Curadoria
Bruta Flor
Helena Barbosa
Artistes
Lyz Vedra
Lilica Santos
Beatriz Almeida
Gabiqrz
Colagem Negra
Beatriz Gurgel
Juliana Siebra
Bruna Pessoa
Alice Dote
Barbara Moira
hoje faz exatamente um mês
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lápis de cor sobre papel
27,9 x 21 cm
Arte em tempos de Covid-19 (virtual) (MAUC/UFC)
[2020]
será?
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lápis de cor sobre papel
21 x 14,8 cm
Pandemia de Narrativas (virtual)
Laboratório de Ensino, Pesquisa e Produção em Antropologia da Imagem e do Som (LEPPAIS-UFPel).
[2020]
o levante é aqui dentro
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nanquim, guache, bordado e agulha sobre papel
21 x 14,8 cm
2a Exposição Coletiva Os Pensamentos do Coração
[2019]
Riscar, tremer, furar, enlinhar, deixar. “o levante é aqui dentro” são fragmentos do que tenho precisado fazer com a vida. O desenhar me apareceu como uma maneira não só de ver o mundo, como de construir uma permanência nele. “o levante é aqui dentro” faz o mesmo comigo. Não se trata do que é visível nele, das técnicas utilizadas ou do resultado, mas da sua feitura e de como ela opera com minhas experiências de mundo. Ter um lápis ou uma agulha à mão, mesmo sem “saber” desenhar ou bordar, e isso basta na invenção de maneiras, para si, de dar existência ao que permanece indizível. Trata-se de fazer algo com o que habita o corpo em latência, de seguir fazendo, de tornar possível. Em “o levante é aqui dentro”, deixo, ainda, a única agulha com a qual, nos últimos meses, tenho furado papéis, panos, folhas, como que operando brechas para mim.